A Força de Ione da Silva Jovino

“Quando você é uma pessoa negra o racismo permite que as pessoas comecem a adotar práticas que te anulem”. Não permitir que o racismo de outras pessoas anulasse suas ações foi a luta que Ione da Silva Jovino, 45 anos, professora negra Pós-doutorado em educação e docente do Departamento Estudos da Linguagem da UEPG travou contra o sistema durante toda sua carreira como educadora da rede publica de educação

Ione da Silva Jovino nasceu em São Paulo, mas cresceu na cidade de Passos, interior de Minas Gerais. Décima filha da família, de uma família de 12 integrantes, vivia junto do pai, da mãe e dos outros nove irmãos. Para ajudar nas despesas da casa atuava como doméstica desde os 10 anos de idade. Após completar o ensino médio resolveu deixar a família e foi tentar a vida em São Paulo, o ano era 1993.

Após chegar à capital Ione buscava uma oportunidade de trabalho na qual pudesse ter acesso ao mercado de trabalho e deixar para a trás a função de doméstica que já exercia desde os 10 anos de idade. Mesmo tento completado o ensino médio, Ione não conseguiu ter acesso a uma vaga de emprego satisfatória e arrumou pequenos trabalhos como doméstica para se manter.

Para tentar mudar de vida e se inserir em um mercado diferente decidiu no final do ano de 1993 prestar vestibular na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).Pensando em escolher uma profissão na qual pudesse ter acesso rápido a uma vaga de emprego ou estágio, ficou em duvida entre Licenciatura em letras ou pedagogia. A escolha por Letras foi natural devido o apreço que tinha pela leitura e escrita desde a escolarização básica.

Em 1994 já no primeiro ano de faculdade começou a ministrar aulas de língua portuguesa na rede de ensino público de São Paulo, onde atuou também como técnica pedagógica da Secretaria do Estado de educação de São Paulo. Na primeira escola que lecionou, tudo corria bem, era tratada com respeito por alunos e professores, participada das decisões em conjunto com a escola, tinha um bom relacionamento com a direção.

Mas logo que prestou concurso e optou por lecionar em uma escola bem ranqueada na cidade de São Paulo as coisas mudaram de figura.  Mesmo lecionando em escolas da periferia, Ione não foi poupada do racismo estrutural e institucional que determinava como era tratada perante as diretoras de escolas e colegas de profissão.

“Eu sempre tive uma relação muito complicada com diretores e diretoras de escolas no sentido de que as pessoas tem muita dificuldade de enxergar pessoas negras fora do estereótipo da subserviência em especial quando essas pessoas são mulheres isso aumenta a dificuldade”

Ione teve que enfrentar e conviver com pessoas que a viam como uma subalterna. Porém, nunca se submeteu a aceitar ordens que não lhe cabiam a função e por adotar uma postura firme de personalidade forte passou a sofrer represálias. Lecionou em escolas onde era impedida de usar espaços de uso coletivo em suas aulas como a biblioteca ou a sala de vídeo. Foi coordenadora em espaços onde professores não acatavam suas ordens e lhes davam as costas, enfrentou campanhas de perseguição por outros colegas de profissão, mesmo elogiada pelos alunos teve seu trabalho questionado muitas vezes.

Em um desse episódio em uma escola onde seus superiores sempre a colocaram em funções menores que o cargo pela qual ocupava. Após questionar o desvio de função que vinha acontecendo entrou em uma discussão com a direção da escola e “gente como você quando pensa que é inteligente, sempre causa problema”.

Contestadora Ione seguiu em frente, mesmo dividindo a rotina de mãe com o trabalho e os estudos concluiu o mestrado em Educação (2005) pela Universidade Federal de São Carlos e em 2007  enquanto cursava o doutorado na mesma instituição recebeu um email de divulgação de um edital de concurso de estágio em língua portuguesa e ficou interessada por se tratar de um concurso a nível de mestrado e com cotas raciais.

Jovino decidiu então se testar mais uma vez e prestou concurso para docente de língua portuguesa do ensino superior na Universidade Estadual de Ponta Grossa. “No início a ideia era apenas me testar, uma preparação para os concursos que faria após concluir o doutorado que cursava”.

Ione foi aprovada e já está a 11 anos atua Docente do Departamento Estudos da Linguagem da UEPG, e do Mestrado em Estudos da Linguagem e hoje é Pró-reitora de Assuntos Estudantis, a primeira professora do estado a ocupar esse cargo criado recente pela UEPG.

Desde sua chegada Ione aproximou a Universidade da periferia através dos projetos de extensão e grupos de estudo. Trabalhou com quilombolas, mulheres negras e outras minorias. Hoje faz parte do Núcleo de Relações Étnico-Raciais, de Gênero e Sexualidade da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Nuregs) junto de outras professoras e acadêmicos negros e negras.

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